Freguês bom paga atrasado

Impulsionado pelo recorde de pedidos de recuperação judicial no país e pela alta da inadimplência, mercado secundário de créditos deve negociar R$ 25 bilhões neste ano.

 

Ricardo Pedro, do Banco Petra: rebaixamento do rating brasileiro melhorou os negócios (foto: Claudio Gatti)

Se o principal negócio dos bancos é emprestar dinheiro, a segunda atividade mais importante é cobrar corretamente quem tem de pagar o empréstimo. Nos últimos anos, o aumento da inadimplência está fazendo com que eles comecem a pensar na cobrança e na gestão da inadimplência de maneira estratégica. Com isso, amplia-se o mercado secundário de crédito. Bancos estrangeiros como Santander, BNP Paribas, Citibank e HSBC são os mais ativos nesse negócio. No entanto, eles vêm ganhando a companhia dos brasileiros que têm empréstimos inadimplentes há mais de 180 dias.

Os números são colossais. A Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito (Aserc) calcula que foram negociados R$ 8 bilhões em 2010. No ano passado, o mercado secundário de créditos movimentou R$ 15 bilhões. A estimativa para este ano é de R$ 25 bilhões, cifra que deve chegar a R$ 50 bilhões por ano a partir de 2020. Ricardo Pedro, diretor de Administração de Recursos do Banco Petra, especializado na gestão de fundos de crédito, diz que a maior participação dos bancos estrangeiros no mercado secundário local reflete a perda do selo de bom pagador (grau de investimento) pelo Brasil, que afetou a nota de crédito das empresas.

Com isso, as matrizes dos bancos obrigaram suas filiais brasileiras a reduzir a exposição ao crédito local, estimulando os negócios. Nesse ambiente, algumas instituições começam a oferecer a compradores até mesmo carteiras de empréstimos com os pagamentos em dia. “Os bancos estrangeiros não costumam ter essa expertise de cobrança, ao contrário das instituições brasileiras”, diz Alexandre Nobre, sócio-fundador da empresa de cobrança RCB Investimentos. “Atualmente, diante da desaceleração econômica, endividamento da população, taxa de desemprego e inadimplência, todos os bancos estão aprimorando suas estratégias.”

O que vem sendo mais e mais negociado são empréstimos com garantias do agronegócio, lastreados por equipamentos como tratores e colheitadeiras, e financiamentos de bancos de montadoras. Segundo Nobre, faz sentido para os varejistas manter em carteira os empréstimos com até 90 dias de atraso, já que as chances de recuperação dessas dívidas são de 80% a 90%. No caso dos bancos, esse prazo é um pouco maior, cerca de 180 dias, e as cobranças costumam ser feita por equipes próprias. Depois desse prazo, o risco de calote aumenta exponencialmente, e a probabilidade de recuperação dos valores desaba para uma média entre 10% e 20%.

Excedidos esses prazos, bancos e redes varejistas costumam vender essas carteiras no mercado secundário. E é aí que entram as empresas de cobrança. Antes negócios familiares e de pequena escala, a cobrança e a recuperação de crédito são promissoras o bastante para atrair a atenção de grandes investidores. A líder do mercado é a Recovery, comprada pelo BTG Pactual em 2011 e vendida ao Itaú Unibanco no fim do ano passado. Já a RCB Investimentos, que foi fundada em 2008, teve seu controle vendido, por uma quantia não revelada, para a companhia americana PRA Group Company. Na transação, os sócios fundadores, Alexandre Nobre e Renato Toledo, mantiveram-se na gestão do negócio.

O problema que deve ser mais comentado nos próximos meses é a inadimplência corporativa. De acordo com a Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial, medida adotada por empresas que precisam reestruturar suas dívidas para não fechar as portas, cresceu 61,2% entre janeiro e agosto deste ano. Foram 1.235 ocorrências, um recorde histórico desde a entrada em vigor da Nova Lei de Falências, em 2005. Em 2015 foram registrados 1.287 pedidos de recuperação judicial. A inserção de nomes de gigantes como a telefônica Oi e a fornecedora de sondas petrolíferas Sete Brasil nessa lista indica que esse movimento está apenas começando.

Má notícia para as empresas, motivo de alegria para Pedro, do Banco Petra. “Preferimos comprar créditos de empresas em recuperação judicial porque elas passam por um processo de reestruturação e estão sendo supervisionadas por um juiz e, muitas vezes, acompanhadas de perto pelo Ministério Público”, diz. Nobre, da RCB, concorda. “Existem muitas empresas brasileiras viáveis e que possuem bons ativos, são geradoras de receita, mas têm um endividamento insustentável. E outras, que tiveram seu caixa abalado pela conjuntura, ou pelo misto da conjuntura e da Operação Lava Jato, e trazem oportunidades de investimento de fato.”

Fonte: Istoé Dinheiro

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